A empresa Freeart Seral foi condenada a parar de utilizar a marca Free Art, cuja titularidade pertence a uma concorrente. A decisão é da 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que reformou a sentença de primeira instância.
Os proprietários da empresa Free Art Indústria e Comércio entraram com uma ação contra a Freeart Seral, alegando serem titulares da marca Free Art, pois registraram o nome e a marca, em dezembro de 2002, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). A empresa atua no mercado de fabricação de móveis para instalações comerciais, tais como gôndolas, expositores, vitrines, balcões secos e refrigerados, e alegou que a outra firma, que comercializa produtos semelhantes, vem utilizando-se há vários anos indevidamente da marca.
Eles pediram na ação que a concorrente parasse de utilizar a marca Free Art em qualquer programa ou informe publicitário, inclusive na internet. Além disso, requereram o recolhimento dos materiais que já estavam em circulação e o pagamento de indenização pelo uso indevido da marca.
Em sua defesa, a Freeart Seral alegou que atua em ramo empresarial diferente e que, apesar de o nome ser parecido com o da outra empresa, as marcas não são idênticas, pois diferem na grafia, na cor e no formato das letras.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente. O juiz entendeu que não há semelhança na cor, no formato, no desenho e na grafia das marcas. Além disso, as empresas ficam em localidades diferentes – a Free Art Indústria e Comércio fica em Contagem/MG, e a Freeart Seral tem sua sede em Jaguariúna/SP –, o que possibilita que ambas existam no mercado.
A empresa autora recorreu da decisão, afirmando que ficou caracterizada a irregularidade no uso da marca e que sempre foi detentora do uso exclusivo do nome.
O relator do recurso, desembargador Newton Teixeira Carvalho, disse que ficou comprovado que a autora registrou a marca Free Art antes da Freeart Seral. O magistrado entendeu que a confusão entre as empresas ficou evidenciada, pois a autora recebeu documentos confidenciais da Freeart Seral por engano, assim como alguns clientes faziam pedidos para uma empresa, achando que eram para a outra.
O desembargador determinou que a Freeart Seral se abstenha de utilizar o nome Free Art em qualquer meio e altere suas expressões de identificação pública no prazo de 60 dias, sob pena de multa diária de R$ 100. Com relação aos danos materiais, o relator determinou que deverão ser apurados na fase de liquidação da sentença, quando a empresa deverá comprovar efetivamente os prejuízos sofridos.
Os desembargadores Alberto Henrique e Rogério Medeiros votaram de acordo com o relator.
Segue abaixo inteiro teor da decisão
EMENTA: RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - NOMES EMPRESARIAIS - CONFLITO ENTRE MARCAS E NOME EMPRESARIAL. A função da marca comercial consiste em individualizar os produtos ou serviços de uma empresa, atestando a sua origem e procedência, de modo que se permita ao consumidor uma perfeita identificação no momento da compra. No conflito entre as marcas e o nome empresarial, de prevalecer o primeiro, em respeito ao critério da originalidade e anterioridade. O uso indevido de marca, capaz de provocar confusão entre os estabelecimentos e consequente desvio de clientela, torna desnecessária a prova concreta do prejuízo, que se presume. Nos casos de violação de direitos de propriedade industrial o dano material é inconteste, existindo in re ipsa, tratando-se de presunção absoluta, sendo devida a indenização, nos termos do art. 210 da Lei nº 9.279/96, devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença.
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 13ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em dar provimento ao recurso.
DES. NEWTON TEIXEIRA CARVALHO
RELATOR.
DES. NEWTON TEIXEIRA CARVALHO (RELATOR)
V O T O
Trata-se de recurso de apelação interposto por FREE ART INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, contra a sentença de ff. 83/89 que, nos autos da ação de obrigação de não fazer c/c perdas e danos, por uso indevido da marca com pedido de tutela antecipada, movida em desfavor da ré/apelada, FREEART SERAL LTDA, julgou improcedentes os pedidos iniciais, condenando, a autora, ao pagamento de custas processuais e honorários de advogado em R$ 1.000,00 (mil reais).
Nas razões recursais, de ff. 91/99, a autora/apelante requereu o provimento do recurso e a procedência dos pedidos iniciais, ao argumento de que, diante dos fatos alegados e dos documentos probatórios juntados aos autos, restou caracterizada a irregularidade e/ou ilicitude no uso da marca "Freeart Seral", por parte da ré, pois a Autora é e sempre foi detentora do uso exclusivo do direito da marca "Freeart".
Disse, ainda, que restou caracterizado também contrariedade aos princípios da especialidade e territorialidade em relação ao uso da marca, causando confusão ao público consumidor, fato presumível, inclusive pela letra da Lei, não sendo possível a coexistência de "FREEART" e "FREEART SERAL" no mercado de consumo, em prejuízo da autora.
Não foram apresentadas contrarrazões.
É o relatório. Decido.
Conheço do recurso, porquanto estão presentes os pressupostos de admissibilidade.
A marca, como sabido, constitui sinal ou expressão destinada a individualizar os produtos ou serviços de uma empresa, identificando-os.
Dada a importância para a economia moderna, representando um verdadeiro estímulo à livre concorrência, sua propriedade tem proteção garantida em nível constitucional e legal.
Acerca de tal proteção, ora pretendida pela apelante, esclarecedora é a lição de Maitê Cecília Fabbri Moro, em sua obra "Direito de Marcas", São Paulo: Ed. RT, 2003, p. 63:
"Um industrial ou comerciante que se utiliza de uma marca para distinguir seus produtos ou um profissional que presta serviços e consegue um certo grau de conhecimento do público quanto ao seu produto ou atuação tem maior interesse em que sua marca não seja confundida com outras semelhantes. Aceita a concorrência, mas não a concorrência desleal. Além disso, ao não permitir produtos ou serviços passíveis de confusão com os seus, o industrial, comerciante ou prestador de serviços, indiretamente, beneficia seu consumidor e o público em geral, os quais não terão problemas em identificar o produto de sua preferência."
A inobservância de maior exame e ponderação nos casos de sociedades que prestem serviços similares ou afins poderia causar o afastamento prático do objetivo visado pela Lei 9.279/96 e da disposição constitucional do artigo 5º, inciso XXIX.
Saliente-se que a marca identifica o produto ou serviço, possibilitando que o consumidor o distinga de outros similares existentes no mercado e, a partir do momento em que se coloca no mercado, dentro de um mesmo segmento ou afim, como ora constatado, um produto com marca igual a uma outra, corre-se o risco de se criar uma confusão, da qual decorre, muitas vezes, prejuízo para aquele que detém o domínio junto ao INPI.
Considera-se marca a expressão destinada a individualizar os produtos de uma empresa, identificando-os e diferenciando-os em relação aos seus concorrentes de mercado. A finalidade da proteção conferida pela lei é proteger os direitos do consumidor, bem como a clientela da empresa, impedindo a prática da concorrência desleal.
A Constituição da República, no seu art. 5º XXIX, estabelece que:
"a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País".
A garantia de uso exclusivo da marca está contemplada no Código de Propriedade Industrial, Lei 9.279/96, que atribui, após o registro no INPI, o efeito de constituir o direito à sua propriedade.
De acordo com o artigo 129 da Lei 9279/96:
"A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos artigos 147 e 148".
Portanto, o conflito entre a marca e o nome empresarial resolve-se em favor do primeiro a ser registrado, em respeito ao critério da originalidade e anterioridade.
Nesse contexto, extrai-se dos autos que o documento de f. 29, confirma que a autora registrou a marca "Free Art", anteriormente ao nome da ré/apelada, com a comercialização de balcões secos, quentes e refrigerados, balcões de açougue, geladeiras comerciais para frios, laticínios, iogurtes e bebidas.
Ressalte-se que a confusão entre as empresas restou evidenciada pelo prova de ff. 42/43, a informar que a autora recebeu documentos confidenciais da ré/apelada por engano estendendo-se também aos clientes que também faziam pedidos para uma empresa, achando que era para outra, por possuírem marcas iguais, (ff.48/51).
Em se tratando de violação de marca, os danos materiais devem ser calculados com base na Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), que traz expressamente critérios para fixação do valor do dano material.
Tais critérios são previstos no art. 210 da Lei nº 9.279/96, do qual se extrai ainda que a prova do prejuízo possa ser realizada em fase de liquidação de sentença:
Art. 210. Os lucros cessantes serão determinados pelo critério mais favorável ao prejudicado, dentre os seguintes:
I - os benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido; ou
II - os benefícios que foram auferidos pelo autor da violação do direito; ou
III - a remuneração que o autor da violação teria pago ao titular do direito violado pela concessão de uma licença que lhe permitisse legalmente explorar o bem.
Acerca da forma de liquidação do dano, em casos de violação de direito do uso de marca, assim se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:
MARCA. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA C/C PERDAS E DANOS. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 209 e 210 da Lei 9.279/96. 1. Ação de abstenção de uso de marca c/c perdas e danos, ajuizada em 13.12.2010. Recurso especial concluso ao Gabinete em 05.04.2013. 2. Discussão relativa aos critérios para fixação do valor da reparação por dano material decorrente de contrafação de marca e ao cabimento de compensação por danos morais. 3. Inviável o reconhecimento de violação ao art. 535 do CPC quando não verificada no acórdão recorrido omissão, contradição ou obscuridade apontadas pela recorrente. 4. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais supostamente violados, não obstante a interposição de embargos de declaração impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula 211/STJ. 5. O uso indevido de marca, capaz de provocar confusão entre os estabelecimentos e consequente desvio de clientela, torna desnecessária a prova concreta do prejuízo, que se presume. 6. Na hipótese, a violação em questão é da marca da recorrente e a legislação que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial (Lei 9.279/96) traz em seu bojo os critérios específicos que devem ser adotados para a quantificação do dano material (art. 210), não se fazendo necessária ou mesmo pertinente a adoção da analogia para interpretação das suas disposições. Inaplicabilidade da Lei 9.610/98 à hipótese. 7. Há que ser demonstrado o efetivo prejuízo de ordem moral sofrido pelo titular do direito de propriedade industrial, decorrente da sua violação. 8. Embora a "CBF" explore a atividade comercial, com o licenciamento de sua marca para venda de produtos, a imagem da associação está muito mais ligada à promoção das atividades esportivas, aos campeonatos de futebol nacionais e internacionais, à Copa do Mundo, Olimpíadas, etc, o que, aliás, é sua atividade principal. 9. Como a atividade primordial da Confederação Brasileira de Futebol não é a comercialização de produtos, o público não deixa de reconhecê-la ou passa a ter uma imagem negativa a seu respeito somente porque foram comercializados produtos contrafeitos com a sua marca. Ausência de demonstração do efetivo dano moral na hipótese. 10. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 1372136/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 21/11/2013; destaquei).
Propriedade industrial. Reconhecimento da contrafação. Indenização por perdas e danos. Precedentes da Corte. 1. Já assentou a Corte, nas Turmas que compõem a Seção de Direito Privado, que o reconhecimento da contrafação dá ensejo à indenização por perdas e danos, apurada em liquidação de sentença. 2. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 646.911/SP, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/06/2005, DJ 22/08/2005, p. 266).
No mesmo sentido, posicionou-se o Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
EMENTA: COMINATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO. VENDA DE PRODUTOS CONTRAFEITOS. PRÁTICA ILÍCITA QUE DEVE SER OBSTADA. CONCORRÊNCIA DESLEAL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DEVIDA. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. DANO MORAL INEXISTENTE. O ato contrário aos usos honestos em matéria industrial ou comercial constitui ato de concorrência desleal, sendo que a simples utilização de denominação, cor e design semelhantes à de outrem, de modo a confundir o consumidor, levando-o a pensar que ambos provêm do mesmo fabricante, de marca conhecida, é suficiente para gerar prejuízos à proprietária da marca. Os lucros cessantes serão determinados pelos critérios do art. 210, da Lei 9.279/96, observadas as circunstâncias do caso concreto. Para que se caracterize o dano moral na pessoa jurídica, é imprescindível que o fato ensejador seja apto a causar efetivo abalo à sua honra objetiva. (TJMG - Apelação Cível 1.0026.13.006315-4/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Bernardes, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/11/2015, publicação da súmula em 20/11/2015, destaquei).
EMENTA: AÇÃO INIBITÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. CONTRAFAÇÃO. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL DEVIDA - VALOR MANTIDO. - Nos casos de violação de direitos de propriedade industrial o dano material é inconteste, existindo "in re ipsa", tratando-se de presunção absoluta, sendo devida a indenização, nos termos do art. 210 da Lei nº 9.279/96, devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença. Recurso Provido Em Parte. (TJMG - Apelação Cível 1.0452.10.004842-3/001, Relator(a): Des.(a) Pedro Aleixo, 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 26/11/2014, publicação da súmula em 04/12/2014).
EMENTA: AÇÃO INIBITÓRIA C/C INDENIZATÓRIA. CONTRAFAÇÃO. COMPROVAÇÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL DEVIDA. - Nos casos de violação de direitos de propriedade industrial o dano material é inconteste, existindo in re ipsa, tratando-se de presunção absoluta, sendo devida a indenização, nos termos do art. 210 da Lei nº 9.279/96, devendo o valor ser apurado em liquidação de sentença. (TJMG - Apelação Cível 1.0452.10.002898-7/001, Relator(a): Des.(a) Moacyr Lobato, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 01/04/2014, publicação da súmula em 07/04/2014).
Logo, o valor da indenização, por danos materiais, deve ser verificado nos termos do art. 210 da Lei nº 9.279/96, por meio de liquidação por artigos, ocasião em que a apelante deverá comprovar efetivamente os prejuízos sofridos.
Diante disso, DOU PROVIMENTO ao recurso, para determinar a proibição da empresa ré, de utilizar o nome de "FREE ART", assim como, em qualquer meio ou para qualquer razão, bem como alterar suas expressões de identificação pública e site, no prazo de sessenta dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais) dia.
Com relação aos danos materiais, estes, deverão ser apurados, nos termos do artigo 210 da Lei 9279/96, por meio de liquidação por artigos, quando a apelante também deverá comprovar efetivamente os prejuízos sofridos.
Em razão do provimento do recurso inverto o ônus da sucumbência para condenar a ré ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios que arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais).
DES. ALBERTO HENRIQUE - De acordo com o(a) Relator(a).
DES. ROGÉRIO MEDEIROS - De acordo com o(a) Relator(a).
SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO"
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