O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu liminar para suspender decisão da 4ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros, da Comarca de São Paulo (SP), que determinou a retirada de matéria jornalística publicada no site da revista eletrônica Consultor Jurídico, o Conjur. Em análise preliminar do caso, o ministro entendeu que houve violação à autoridade da decisão do Supremo no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 130.
Autora da Reclamação (RCL 25768), a Dublê Editorial Ltda. EPP - editora da Conjur -, conta que no dia 13 de julho de 2015 publicou matéria jornalística intitulada “ Ministério Público denuncia conluio de empresário, advogado, juíza e delegado”. Em razão do conteúdo do texto, o empresário Luiz Eduardo Auricchio Bottura ajuizou ação indenizatória por dano moral a fim de que a matéria publicada fosse excluída ou reeditada para fazer constar o resultado do julgamento de dois habeas corpus impetrados por ele no Superior Tribunal de Justiça (STJ), com a integral divulgação dos respectivos acórdãos, sob a justificativa de que o material jornalístico publicado é ofensivo e inverídico.
A 4ª Vara Cível concedeu a tutela antecipada, determinando que a editora publicasse nova reportagem sobre o tema no prazo de 72 horas e sob pena de multa diária de R$ 2 mil, “informando aos leitores sobre as novas decisões proferidas e diretamente relacionadas à reportagem anterior”. Também foram acolhidos embargos declaratórios para que a editora fosse obrigada a excluir a matéria jornalística questionada.
Em seguida, a editora ajuizou a presente reclamação na qual sustenta que a ordem para retirar a matéria veiculada no site, obrigando a publicação de um novo texto com as decisões mais recentes sobre o caso, viola o que foi decidido pelo Supremo nos autos da ADPF 130. Assim, pedia, liminarmente, a imediata suspensão do ato questionado e, no mérito, que seja cassada a decisão reclamada.
Decisão
Ao analisar a matéria, o ministro Ricardo Lewandowski entendeu que no caso estão presentes os requisitos da “fumaça do bom direito” e do “perigo na demora”, que autorizam a concessão da cautelar. Para ele, à primeira vista, a decisão contestada violou o entendimento do STF sobre a liberdade de imprensa ao determinar, sem que fosse ouvida a parte contrária, a exclusão de matéria jornalística do site, além de ter ordenado a publicação de nova reportagem sobre decisões recentes e diretamente relacionadas à reportagem anterior, sob pena de multa diária. “Ou seja, na prática, o magistrado decidiu substituir o editor da revista para, ele próprio, ‘pautar’ o veículo de comunicação sobre o que deveria ser noticiado”, salientou.
De acordo com o relator, o direito de resposta é cabível para rebater matéria jornalística cuja informação seja inverídica ou incompleta. Ele ressaltou que a decisão reclamada concedeu a tutela antecipada com fundamento genérico “no sentido de que o conteúdo do texto veiculado era prejudicial ao autor da ação e que as notícias divulgadas pela ré não estão efetivamente atualizadas, posto que há novas decisões judiciais sobre as questões postas”.
O ministro Ricardo Lewandowski lembrou que no julgamento da ADPF 130, o Supremo entendeu que “a plenitude da liberdade de imprensa é o reforço ou sobretutela das liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional”. Portanto, nesse primeiro exame da questão, o ministro considerou que a 4ª Vara Cível “foi além do que permitido por esse STF”.
Com base na leitura da matéria jornalística publicada no site da Conjur, o relator afirmou que o texto limita-se à noticiar os termos da denúncia formulada pelo Ministério Público e, posteriormente, recebida pelo juízo da Vara de Anaurilândia (MS). Ele também ressaltou que na matéria foi garantido espaço à argumentação do denunciado.
Segundo o ministro, a falta de atualização do assunto com novas matérias que informem as decisões mais recentes, supostamente favoráveis ao empresário, “não tem o condão de tornar inverídico o texto inicial, que informou sobre o recebimento da denúncia”. Assim, para ele, em exame liminar, não há justificativa para impor à 4ª Vara Cível a obrigação de retirar a notícia questionada no site da revista Conjur, tendo em vista que a decisão não apontou erro ou omissão em seu conteúdo.
O relator considerou, ainda, que o Poder Judiciário não pode obrigar que o veículo de comunicação noticie determinado fato, pois tal medida restringiria a liberdade de imprensa. “A continuação e o desfecho de determinado assunto anteriormente noticiado infere-se no campo da discricionariedade e da ética profissional, que é mais amplo que o direito objetivo”, ressaltou o ministro Ricardo Lewandowski. Ele observou que “a imposição de sanção pecuniária confere caráter urgente à cessação dos efeitos do ato reclamado”. Dessa forma, ele concedeu a liminar para suspender a decisão reclamada e a imposição de multa diária.
Inteiro teor da decisão
Partes
RECLTE.(S) : DUBLE EDITORIAL LTDA - EPP
ADV.(A/S) : ALEXANDRE FIDALGO E OUTRO(A/S)
RECLDO.(A/S) : JUIZ DA 4ª VARA CÍVEL DO FORO REGIONAL XI - PINHEIROS DA COMARCA DE SÃO PAULO
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
ADV.(A/S) : MICHAEL GLEIDSON ARAÚJO CUNHA
INTDO.(A/S) : LUIZ EDUARDO AURICCHIO BOTTURA
ADV.(A/S) : LORINE SANCHES VIEIRA
ADV.(A/S) : JULIANA AKEL DINIZ
Decisão
Trata-se de reclamação, com pedido liminar, ajuizada em favor de Dublê Editorial Ltda. EPP, editora da revista eletrônica Conjur, contra ato do Juízo da 4ª Vara Cível do Foro Regional de Pinheiros da Comarca de São Paulo/SP, que teria afrontado
decisão proferida pelo Plenário deste Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADPF 130/DF.
delegado”(http://www.conjur.com.br/2015-jul-13/mp-denuncia-quadrilha-empresario-advogado-juiza-delegado).
Narra a reclamante que publicou na revista eletrônica Conjur, em 13/7/2015, a matéria jornalística intitulada “Conluio no Judiciário - Ministério Público denuncia conluio de empresário, advogado, juíza e
Conjur ou, subsidiariamente, “a sua reedição para fazer constar o resultado do julgamento de dois habeas corpus propostos por ele no Superior Tribunal de Justiça, com a integral divulgação dos respectivos acórdãos, sob a justificativa de que o material
Devido ao conteúdo do texto, o reclamante foi demandado judicialmente por Luiz Eduardo Auricchio Bottura, que ajuizou ação indenizatória por dano moral, com pedido de tutela antecipada, “por meio da qual pretende a exclusão da matéria publicada na
jornalístico publicado é ofensivo e inverídico” (documento eletrônico 1).
Por fim, o magistrado de piso ainda acolheu embargos declaratórios para incluir na concessão de tutela antecipada a obrigação de excluir a matéria jornalística questionada.
O Juízo reclamado concedeu a tutela antecipada, determinando que a reclamada, “no prazo de 72 horas e sob pena de multa diária de R$ 2.000,00, publique nova reportagem sobre o tema, informando aos leitores sobre as novas decisões proferidas e
diretamente relacionadas à reportagem anterior” (documento eletrônico 19).
A concessão de liminar exige a presença dos requisitos autorizadores que se consubstanciam na plausibilidade jurídica do pedido formulado (fumus boni iuris) e na existência de iminente dano irreparável ou de difícil reparação que possa causar o
Em face de tais decisões, foi ajuizada a presente reclamatória, na qual se sustenta que a ordem para retirar matéria veiculada no site da revista eletrônica, obrigando a reclamante a publicar um novo texto com as decisões mais recentes sobre o caso,
viola o que foi decidido por esta Corte nos autos da ADPF 130/DF.
Assim, requer, liminarmente, a imediata suspensão do ato impugnado e, no mérito, que seja cassada a decisão reclamada.
É o relatório. Decido a medida cautelar.
perecimento do direito alegado (periculum in mora).
jornalística do site da revista eletrônica Consultor Jurídico – Conjur. E mais, ordenou que fosse publicada “nova reportagem sobre o tema, informando aos leitores sobre as novas decisões proferidas e diretamente relacionadas à reportagem anterior”, sob
Entendo que, no presente caso, encontram-se presentes os requisitos autorizadores para que seja concedida a cautelar.
Verifico, quanto ao fumus boni iuris, que a decisão reclamada, à primeira vista, violou o entendimento desse Supremo Tribunal Federal sobre a liberdade de imprensa ao determinar, sem que fosse ouvida a parte contrária, a exclusão de matéria
pena de multa diária.
Ocorre que, ao declarar que a famigerada Lei de Imprensa não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, esse Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF 130/DF, entendeu que “a plenitude da liberdade de imprensa é o reforço ou
Dessa forma, observo, em juízo perfunctório, que a autoridade reclamada foi além do que permitido por esse STF. A decisão questionada não tratou da garantia do direito de resposta. Houve, na verdade, a ordem para a exclusão da matéria jornalística e
sobretutela das liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica, intelectual e comunicacional”.
Ademais, no referido julgamento a Corte asseverou que,
“a cabeça do art. 220 da Constituição veda qualquer cerceio ou restrição à concreta manifestação do pensamento (vedado o anonimato), bem assim todo cerceio ou restrição que tenha por objeto a criação, a expressão e a informação, seja qual for a
forma, o processo, ou o veículo de comunicação social.”
a determinação para que a revista produza e publique um novo texto sobre as decisões judiciais que se sucederam. Ou seja, na prática, o magistrado decidiu substituir o editor da revista para, ele próprio, “pautar” o veículo de comunicação sobre o que
conteúdo do texto veiculado era prejudicial ao autor da ação e que “as notícias divulgadas pela ré não estão efetivamente atualizadas, posto que há novas decisões judiciais sobre as questões postas”.
deveria ser noticiado.
É certo que tal conduta extrapola os limites impostos pelo Supremo Tribunal Federal no tocante ao direito de resposta que, no julgamento da ADPF 130/DF, foi reconhecido nos seguintes termos, verbis:
“O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Constituição
Federal.”
Assim, entendo ser o direito de resposta cabível para rebater matéria jornalística cuja informação seja inverídica ou incompleta. Na decisão reclamada, o fundamento para a concessão da tutela antecipada deu-se de forma genérica, no sentido de que o
“A liberdade de imprensa, enquanto projeção das liberdades de comunicação e de manifestação do pensamento, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, entre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, o direito de informar, o
Ademais, na leitura da matéria jornalística publicada no site da Conjur, percebe-se que a narrativa limita-se à noticiar os termos da denúncia formulada pelo Ministério Público e, posteriormente, recebida pelo Juízo da Vara de Anaurilândia/MS.
Ressalto, ainda, que no texto foi garantido, inclusive, espaço à contradita do denunciado.
A falta de atualização do assunto, com novas matérias que informem as decisões mais recentes, supostamente favoráveis ao personagem da matéria primitiva, não tem o condão de tornar inverídico o texto inicial, que informou sobre o recebimento da
denúncia.
Essa Corte, em diversos precedentes, tem decidido que
direito de buscar a informação, o direito de opinar, e o direito de criticar.
A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar,
O Supremo Tribunal Federal tem destacado, de modo singular, em seu magistério jurisprudencial, a necessidade de preservar-se a prática da liberdade de informação, resguardando-se, inclusive, o exercício do direito de crítica que dela emana, por
sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as pessoas públicas ou as figuras notórias, exercentes, ou não, de cargos oficiais.
A crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos de personalidade.
Não induz responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgue observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicule opiniões em tom de crítica severa, dura ou, até, impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais
observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.
Jurisprudência. Doutrina.
tratar-se de prerrogativa essencial que se qualifica como um dos suportes axiológicos que conferem legitimação material à própria concepção do regime democrático.
o Poder Judiciário não pode obrigar que o veículo de comunicação noticie determinado fato, pois tal medida restringiria a liberdade de imprensa. A continuação e o desfecho de determinado assunto anteriormente noticiado infere-se no campo da
Mostra-se incompatível com o pluralismo de ideias, que legitima a divergência de opiniões, a visão daqueles que pretendem negar, aos meios de comunicação social (e aos seus profissionais), o direito de buscar e de interpretar as informações, bem
assim a prerrogativa de expender as críticas pertinentes. Arbitrária, desse modo, e inconciliável com a proteção constitucional da informação, a repressão à crítica jornalística, pois o Estado – inclusive seus juízes e tribunais – não dispõe de poder
algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais da imprensa” (AI 705.630 AgR, Rel. Min. Celso de Mello; grifos meus).
Portanto, considero que, em exame liminar, não há justificativa para impor à reclamante a obrigação de retirar a notícia questionada no site da revista Conjur, tendo em vista que a decisão não apontou erro ou omissão em seu conteúdo. Da mesma forma,
discricionariedade e da ética profissional, que é mais amplo que o direito objetivo. Assim, encontra-se presente o fumus boni iuris necessário à concessão do pedido liminar.
Quanto ao periculum in mora, observo que a decisão questionada aplicou multa diária de dois mil reais, no caso de seu descumprimento. A imposição de sanção pecuniária confere caráter urgente à cessação dos efeitos do ato reclamado.
Relator
Isso posto, concedo a liminar para suspender os efeitos da decisão reclamada. Suspendo ainda, em consequência, a imposição de multa diária.
Comunique-se com urgência.
Publique-se.
Brasília, 29 de novembro de 2016.
Ministro Ricardo Lewandowski