Para magistrados, consumidores não confundem o produto com água, conforme alegava a União
Em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da segurança jurídica, a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) contrariou recurso da União e decidiu manter a marca H2OH! no mercado, por entender se tratar de um refrigerante já conhecido e que não leva os consumidores à confusão.
A União pleiteava o banimento da marca motivada por nota técnica do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, segundo a qual a semelhança com a fórmula química da água poderia "induzir o consumidor a adquirir esses produtos, como se água fosse, confundindo-o e retirando sua liberdade de escolha".
A Pepsico lançou a bebida no mercado brasileiro em 2006, tendo protocolado o pedido de registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em 2005 e a análise e registro de rótulo junto ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em 2006, ambos deferidos. A empresa alega que, desde o início, o produto foi apresentado ao mercado como refrigerante de baixa caloria e sempre foi exposto ao consumidor entre os refrigerantes.
Contou também que, em 2008, celebrou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) perante a Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo, de abrangência nacional, pelo qual tornou mais ostensiva a informação ao consumidor sobre a natureza de refrigerante do produto. Porém, mesmo assim, recebeu uma intimação do MAPA exigindo, em curto prazo, a completa alteração da rotulagem e da própria marca H2OH!.
Contou também que, em 2008, celebrou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) perante a Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo, de abrangência nacional, pelo qual tornou mais ostensiva a informação ao consumidor sobre a natureza de refrigerante do produto. Porém, mesmo assim, recebeu uma intimação do MAPA exigindo, em curto prazo, a completa alteração da rotulagem e da própria marca H2OH!.
No TRF3, o desembargador federal Nery Júnior destacou a fragilidade dos argumentos da nota técnica apresentada pela União: “Ora, o cidadão com instrução suficiente para conhecer a fórmula química da água é capaz também de ler no rótulo a indicação de que se trata de refrigerante, bem como de identificar, pela coloração, aroma e sabor, que não se trata de água mineral. Tanto é assim que cerca de 10 (dez) anos se passaram desde o registro da marca, e não há notícias relevantes de quid pro quo nesse sentido”.
Ele também observou que a Pepsico recebeu autorização do MAPA para comercialização do produto em 2006, sob o enquadramento de "refrigerante de baixa caloria", sem qualquer oposição quanto ao nome H2OH! e sua rotulagem. “Causa estranheza que, depois de autorizar uso da marca, o MAPA tenha mudado de posição sem que houvesse qualquer fato novo a lhe motivar. Pelo contrário, o tempo tratou de consolidar a marca no mercado como um refrigerante, não como água mineral”, destacou.
O desembargador também ressaltou que o TAC firmado não compreende a admissão de que tudo o que foi feito antes estava errado. Significa apenas que alguns ajustes foram feitos de comum acordo entre as partes, resultando em diversas medidas para tornar mais ostensiva a informação ao consumidor, tanto no rótulo como em campanhas publicitárias, medidas reconhecidas como suficientes, inclusive, pelo Conselho Superior do Ministério Público.
Como consequência, Nery Júnior confirmou a decisão de Primeiro Grau que impediu qualquer medida restritiva em relação à marca H2OH!, “tanto em razão da desconexão da motivação do ato administrativo com a realidade fática (a consolidação da marca nos mercados brasileiro e mundial como um refrigerante, sem qualquer confusão com água mineral, com evidente distinção na cor, aroma, sabor e preço), como em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da segurança jurídica”, declarou.
Apelação/Remessa Necessária 0024631-41.2008.4.03.6100/SP
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO
PUBLICAÇÕES JUDICIAIS I – TRF
Subsecretaria da 3ª Turma
Acórdão 21372/2017
APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 0024631-41.2008.4.03.6100/SP
EMENTA
DIREITO DO CONSUMIDOR. DIREITO ADMINISTRATIVO. MARCA DE REFRIGERANTE. AFASTAMENTO DE ATO ADMINISTRATIVO DO MAPA - MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO QUE RESTRINGE O USO DE MARCA DE REFRIGERANTE DE BAIXA CALORIA. REGISTROS DE RÓTULOS JÁ CONCEDIDOS. AFASTAMENTO DE EXIGÊNCIAS DE ALTERAÇÃO OU SUPRESSÃO DA REFERIDA MARCA. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA CELEBRADO COM O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. NULIDADE DA SENTENÇA. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE ENGANOSIDADE PER SE NA MARCA DE REFRIGERANTE. INEXISTÊNCIA DE CONFUSÃO DO REFRIGERANTE COM ÁGUA MINERAL POR PARTE DOS CONSUMIDORES. DESCONEXÃO DA MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO COM A REALIDADE FÁTICA. OBSERVÂNCIA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E SEGURANÇA JURÍDICA.
1. Segundo consta, em 2006, a Autora lançou no mercado brasileiro a bebida H2OH!. Na qualidade de proprietária da marca, em 15 de setembro de 2005, protocolou pedido de registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, que foi deferido em janeiro de 2008. Em 13 de março de 2006, requereu também ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a análise e registro do rótulo da bebida H2OH! para comercialização no território brasileiro. O pedido foi deferido para os diferentes sabores de H2OH! (H2OH! Limão; H2OH! misto de Limão e Tangerina; H2OH! misto de Limão e Maçã), datando o primeiro registro de 27 de abril de 2006.
2. Alega a Autora que desde o início o produto foi apresentado ao mercado como refrigerante de baixa caloria, especialmente em razão do preço cobrado em relação à água mineral e em razão do lugar de sua exposição ao consumidor, qual seja, entre os refrigerantes, além do sabor, aroma e coloração.
3. Em 02 de abril de 2008, celebrou Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) perante a Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo, de abrangência nacional, devidamente homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público, pelo qual tornou mais ostensiva a informação ao consumidor sobre a natureza de refrigerante do produto.
4. Neste contexto, recebeu uma intimação do MAPA exigindo-lhe, num prazo exíguo, a completa alteração da rotulagem e da própria marca H2OH!, com base num parecer emitido pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça. Entende a Autora que o MAPA invadiu a competência do INPI ao pretender "banir" a marca H2OH! do mercado.
5. Aponta a União a nulidade da sentença, por error in procedendo, na medida em que ao firmar termo de ajustamento de conduta, a Autora confessou a prática da irregularidade, não podendo servir de fundamento à procedência da ação. Sem razão. É que ao firmar o Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público Estadual, a Autora concordou em fazer algumas alterações no rótulo do produto, bem como providenciou, junto aos distribuidores e vendedores, que ela fosse oferecida aos consumidores no espaço destinado aos refrigerantes. Isso não significa que ela admitiu, de forma absoluta, que anteriormente fizera uso equivocado da marca e da publicidade das bebidas, como alegado pela União Federal. Significa apenas que alguns ajustes foram feitos, de comum acordo entre as partes. O TAC foi firmado antes do ajuizamento da presente ação e foi um dos fundamentos utilizados pela r. sentença recorrida para demonstrar a plausibilidade do direito invocado pela parte Autora, não o único. O ponto central é que, apesar das alterações efetuadas pela Autora em razão do TAC, o MAPA se recusa a efetuar o registro. Esta é a questão controvertida entre as partes, sobre a qual se debruçou a sentença.
6. Consoante majoritária doutrina, é obrigatória a motivação tanto dos atos administrativos vinculados, como dos discricionários. Nos atos discricionários, a motivação é necessária para, em nome da transparência, permitir-se a sindicabilidade da congruência entre sua justificativa e a realidade fática na qual se inspirou a vontade administrativa.
7. Na hipótese dos autos, a motivação do ato administrativo foi escorada na Nota Técnica do DPDC/SDE-MJ, segundo a qual a marca "H2OH!" deve ser retirada do mercado por se assemelhar à "fórmula química do composto químico água", o que poderia "induzir o consumidor a adquirir esses produtos, como se água fosse, confundindo-o e retirando sua liberdade de escolha" (SIC - fls. 261/267 - itens 20 e 21 da Nota Técnica nº 19/CGSC/DPDC).
8. Necessária ao deslinde do feito a análise da congruência entre a motivação do ato administrativo e a realidade fática, bem como de eventual ofensa aos princípios da boa-fé objetiva da administração e da segurança jurídica.
9. Por primeiro, salta aos olhos a fragilidade do fundamento contido na Nota Técnica nº 19/CGSC/DPDC, no sentido de que a marca "H2OH!" remeteria à formula da água, confundindo o consumidor. Ora, o cidadão com instrução suficiente para conhecer a fórmula química da água é capaz também de ler no rótulo a indicação de que se trata de refrigerante, bem como de identificar, pela coloração, aroma e sabor, que não se trata de água mineral. Tanto é assim que cerca de 10 (dez) anos se passaram desde o registro da marca, e não há notícias relevantes de quid pro quo nesse sentido.
10. A apelada recebeu autorização do MAPA para comercialização do produto em 2006, sem qualquer oposição quanto ao nome "H2OH!" e sua rotulagem, sob o enquadramento de "refrigerante de baixa caloria", nos termos do art. 62 do Decreto nº 2.314/1997, com redação dada pelo Decreto nº 3.510/2000, então vigente (atual art. 14 do Decreto nº 6.871/2009).
11. Causa estranheza que, depois de autorizar uso da marca, o MAPA tenha mudado de posição sem que houvesse qualquer fato novo a lhe motivar. Pelo contrário, o tempo tratou de consolidar a marca no mercado como um refrigerante, não como água mineral.
12. Neste contexto, pode-se afirmar que o princípio da boa-fé atua como importante elemento para aferição da legitimidade de um ato administrativo, sob o fundamento da necessidade de se proteger a confiança do administrado na estabilidade das relações jurídicas firmadas com a Administração Pública. Com efeito, dentre as funções do princípio da boa-fé, no âmbito da Administração Pública, está a de conservar os vínculos firmados entre a Administração e o administrado, baseando-se nos princípios da confiança, lealdade e verdade, os quais constituem elementos materiais da boa-fé.
13. Registre-se ainda que, ainda em 2008, a apelada firmou com o a Promotoria de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Estado de São Paulo um TAC - Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta, resultando em diversas medidas para tornar mais ostensiva a informação ao consumidor acerca da natureza de refrigerante do "H2OH!". Com isso, tanto o rótulo como as campanhas publicitárias passaram a reforçar veementemente o fato de tratar-se de refrigerante. A suficiência das medidas foi reconhecida ainda pelo Conselho Superior do Ministério Público, à unanimidade.
14. Portanto, inexistente no mundo real a alegada enganosidade per se da marca de refrigerante, deve a r. sentença ser mantida, tanto em razão da desconexão da motivação do ato administrativo com a realidade fática (a consolidação da marca nos mercados brasileiro e mundial como um refrigerante, sem qualquer confusão com água mineral, com evidente distinção na cor, aroma, sabor e preço), como em respeito aos princípios da boa-fé objetiva e da segurança jurídica.
15. Preliminar rejeitada. Apelação e remessa oficial não providas.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a questão preliminar e, por maioria, negar provimento à remessa oficial e à apelação, vencido o E. Relator, que lhes dava provimento, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
São Paulo, 23 de agosto de 2017.
NERY JÚNIOR
Relator para Acórdão
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