O Ministério Público foi representado na manhã desta sexta-feira (2), na audiência pública sobre o Marco Civil da Internet, por três integrantes da instituição, todos indicados pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot. A coordenadora do Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos da 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), Neide Cardoso de Oliveira, posicionou-se em favor da improcedência das ações em trâmite no Supremo Tribunal Federal (STF), que apontam a inconstitucionalidade dos bloqueios judiciais do aplicativo.
“A suspensão temporária de um aplicativo, que de forma contumaz descumpre a legislação brasileira, não viola, nem de longe, os direitos à comunicação e à liberdade de expressão garantidos por outros meios, inclusive com a utilização de mecanismos idênticos, também gratuitos”, afirmou. Segundo ela, a empresa, adquirida pelo Facebook em 2014, pretende tirar proveito do melhor das duas legislações sobre o tema: as normas aplicáveis às operadoras de telefonia e o Marco Civil da Internet.
“Não há qualquer respaldo legal para a incidência de regime jurídico híbrido à atividade desenvolvida pelo WhatsApp Inc., composto somente com o que lhe interessa de cada um dos dois regimes. Ao extrair das normas aplicáveis às operadoras de telefonia e ao Marco Civil da Internet somente o que lhe possa ser favorável, sem compromisso de observar integralmente qualquer desses normativos, (a empresa) pretende retirar proveito do melhor dos dois mundos, sem a contraparte legal”, disse.
Improcedência
Ao defender que a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5527, cuja relatora é a ministra Rosa Weber, e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 403, relatada pelo ministro Edson Fachi, sejam julgadas improcedentes, Neide argumentou que “os diretos à comunicação e à liberdade de expressão não são absolutos, podem ser modulados para a proteção de outros direitos igualmente importantes, como o direito à vida, à dignidade, à proteção integral da criança, à privacidade, entre outros, que são protegidos em investigações de crimes graves”.
Ela acrescentou ainda que o amplo compartilhamento de dados entre WhatsApp e Facebook foi anunciado em agosto de 2016. “Aceitando-se como verdadeira a afirmação de que as empresas cumprem a lei brasileira e considerando o previsto no artigo 15, parágrafo 3º, do Marco Civil da Internet, que determina serem sigilosos os registros de acesso ao aplicativo, a única conclusão plausível é de que, apesar das negativas, as empresas pertencem a um único grupo e agem como uma só”, argumentou. Para ela, a alegação do Facebook de que o WhatsApp não tem representação judicial no Brasil “não afasta sua legitimidade para responder e cumprir decisões judiciais envolvendo o WhatsApp, proferidas no Brasil”.
Criptografia e metadados
A segunda integrante do Grupo de Apoio no Combate aos Crimes Cibernéticos a falar foi Fernanda Domingos. Segundo ela, questões envolvendo criptografia e fornecimento de conteúdo de metadados são subjacentes ao descumprimento de decisões judiciais que determinam os bloqueios do aplicativo. Ela alegou que a empresa afirma usar tecnologia que gera novas chaves de criptografia a cada mensagem enviada, o que tornaria inviável a tentativa de quebra dessa criptografia. “Não sabemos ao certo se essa tecnologia é empregada mesmo, porque não houve auditoria nos sistemas do WhatsApp, e talvez nem seja possível auditar”, disse. Ela ressaltou que os pedidos de quebra de sigilo de mensagens envolvem crimes seriíssimos, como tráfico de drogas, de armas, de pessoas, troca de pornografia infantil, preparação de sequestros, de homicídios e de atentados terroristas.
Paraíso digital
Por fim, o secretário de Cooperação Internacional da Procuradoria-Geral da República (PGR), Vladimir Aras, argumentou que, “aparentemente, o que se tenta apresentar como um dos valores mais importantes do serviço do WhatsApp é a proteção dos dados pessoais, mas, infelizmente, esses serviços também são utilizados por criminosos”. Para o secretário, não se pode imaginar, criar no Brasil, a partir do julgamento das duas ações em trâmite no Supremo, “um paraíso digital, em que criminosos possam cometer infrações penais, violando direitos fundamentais tão importantes quanto o direito à privacidade”.
Ao falar especificamente sobre sua área de atuação, Vladimir Aras relatou ouvir muito sobre a necessidade de se recorrer a mecanismos de cooperação internacional para acessar certos dados trocados a partir do aplicativo. “Esse é um outro obstáculo que se procura antepor à jurisdição brasileira na busca de dados importantes para também defesa de direitos”, registrou. De acordo com Aras, instrumentos como o WhatsApp foram criados por homens e, portanto, “podem ser desenhados de forma diferente para que, quando seja necessário, haja a possibilidade que dados possam ser compartilhados, independentemente de cooperação internacional”.
Fonte: STF
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