Não há no ordenamento jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que obrigue a Google Brasil, como provedora, a monitorar antecipadamente os conteúdos que serão disponibilizados pelos usuários de suas plataformas de relacionamento virtual, como o extinto Orkut, pois isso configuraria “censura prévia à livre manifestação em redes sociais”.
A afirmação é da ministra Nancy Andrighi, relatora de recurso em que a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou que seria impossível a Google cumprir a exigência de manter monitoramento prévio das mensagens de um usuário que publicou ofensas no Orkut contra a reputação de outro usuário. Os ministros afastaram a multa aplicada em sentença contra o provedor.
Um antigo cliente publicou no Orkut do advogado palavras ofensivas a sua reputação. O ofendido requereu a remoção do conteúdo e a apresentação dos dados cadastrais do responsável pelos insultos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo manteve a sentença que impôs à Google o monitoramento prévio das mensagens divulgadas pelo ofensor, por um período de seis meses, removendo-as do Orkut. Tal providência deveria ser adotada de imediato, sob pena de multa.
Obrigação impossível
No STJ, a Google argumentou que houve julgamento extra petita, pois estabeleceu obrigação não solicitada pelo ofendido – e, além disso, impossível de ser cumprida. Alegou ser impraticável apresentar dados pessoais do usuário, não havendo como aplicar multa em caso de obrigação impossível.
Segundo a ministra Nancy Andrighi, não é qualquer incongruência entre pedido e sentença que configura uma decisão extra petita. Entretanto, afirmou, “há julgamento extra petita se a autora requer a remoção e guarda de conteúdo on-line por seis meses, e o juízo obriga a recorrente a manter um ‘monitoramento prévio’, pelo mesmo período, de determinado usuário de aplicação de internet”.
IP
Com relação à necessidade de fornecimento de todas as informações cadastrais do usuário, como nome, endereço, RG e CPF, Nancy Andrighi mostrou que a jurisprudência do STJ é no sentido de que, “para adimplir sua obrigação de identificar usuários que eventualmente publiquem conteúdos considerados ofensivos por terceiros, é suficiente o fornecimento do número IP correspondente à publicação ofensiva indicada pela parte”.
Os ministros decidiram que viola o artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973 a imposição de multa para obrigação de fazer que se mostra impossível de ser cumprida, fato que provoca o afastamento da penalidade.
Fonte: STJ
Segue abaixo decisão
RECURSO ESPECIAL No 1.342.640 - SP (2012/0186042-0)
EMENTA
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE
OBRIGAÇÃO DE FAZER. ORKUT. REMOÇÃO DE CONTEÚDO
REPUTADO OFENSIVO. POSSIBILIDADE. MONITORAMENTO PRÉVIO
DE PUBLICAÇÕES NA REDE SOCIAL. FORNECIMENTO DE DADOS
PESSOAIS. IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO EXTRA PETITA .
PRESENÇA. ASTREINTES . OBRIGAÇÃO IMPOSSÍVEL. AFASTAMENTO.
- Ação ajuizada em 12/09/2008. Recurso especial interposto em 06/03/2012 e
distribuído a este gabinete em 26/08/2016.
- Não subsiste a alegada ofensa ao art. 535 do CPC/1973, pois o tribunal de origem enfrentou as questões postas, não havendo no aresto recorrido omissão, contradição ou obscuridade.
- Esta Corte fixou entendimento de que “(i) não respondem objetivamente pela
inserção no site, por terceiros, de informações ilegais; (ii) não podem ser
obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo das informações postadas no
site por seus usuários; (iii) devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco
da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de
responderem pelos danos respectivos; (iv) devem manter um sistema
minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será
avaliada caso a caso”. Precedentes.
- Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de
conteúdo, que registra o número de protocolo na internet (IP) dos computadores
utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente
eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde
à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de internet.
- Este Superior Tribunal de Justiça tem entendimento segundo o qual não constitui julgamento extra petita a decisão do Tribunal de origem que aprecia o
pleito inicial interpretado em consonância com a pretensão deduzida na
exordial como um todo.
- Na hipótese, contudo, há julgamento extra petita se a autora requer a remoção e
guarda de conteúdo on-line por seis meses e o Juízo obriga a recorrente a manter
um “monitoramento prévio”, pelo mesmo período, de determinado usuário de
aplicação de internet.
- Há violação ao art. 461 do CPC/73 a imposição de multa cominatória para
obrigação de fazer que se afigura impossível de ser cumprida, o que enseja o
afastamento das astreintes .
- Recurso especial conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e
dar-lhe provimento, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a) Relator(a). Os Srs.
Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio
Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr. EDUARDO
MENDONÇA, pela parte RECORRENTE: GOOGLE BRASIL INTERNET LTDA.
Brasília (DF), 07 de fevereiro de 2017(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora
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