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Uma marca registrada em junta comercial tem abrangência estadual e por isso não possui exclusividade em todo o país. Com esse entendimento, a 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro reformou decisão de instância anterior que havia proibido a Editora Abril de usar a marca Capricho para vender roupas e acessórios descartáveis.
O caso começou quando a Confecções Capricho tentou registrar sua marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) para atuar no segmento de lenços e fraldas descartáveis. A solicitação foi negada, pois a instituição alegou que a Editora Abril já havia registrado a marca Capricho para atuar no mesmo ramo.
A confecção foi à Justiça alegando que fez o registro de marca na Junta antes da Abril fazer no INPI e que já utilizava o mesmo nome para vender seus produtos. A primeira instância concordou e anulou o registro de marcas da companhia dos Civita.
Porém, ao analisar a questão, a desembargadora relatora Simone Schreiber relembrou jurisprudência estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça. Em julgamento semelhante, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, para que o nome empresarial tenha proteção em âmbito nacional, é necessário o seu registro em todas as juntas comerciais do Brasil.
A desembargadora acolheu o recurso da Editora Abril, defendida pelo escritório Fidalgo Advogados, e ressaltou que a proteção jurídica dada ao nome empresarial está limitada ao estado em que é feito o registro, ao passo que a proteção à marca possui eficácia nacional.
“Dessa forma, aplicando ao caso vertente a jurisprudência do STJ, verifica-se que o nome empresarial da 1ª apelada não possui proteção em âmbito nacional, razão pela qual não reúne as condições necessárias para impedir o registro da marca impugnada 'Capricho', ainda que idênticas”, afirmou Simone em seu voto.
Por: Fernando Martines
Fonte: Conjur
Inteiro teor da decisão
Nº CNJ : 0112410-41.2014.4.02.5101
(2014.51.01.112410-3)
RELATOR : Desembargadora Federal
SIMONE SCHREIBER
APELANTE : ABRIL MARCAS LTDA
ADVOGADO : ALEXANDRE FIDALGO
E OUTRO
APELADO : CONFECÇÕES CAPRICHO LTDA. E
OUTRO
ADVOGADO : MARIA LUIZA GRUBER
RIBEIRO E OUTROS
ORIGEM : 31ª Vara Federal do Rio de
Janeiro (01124104120144025101)
V O T O
Inicialmente, conheço
da remessa necessária e do recurso de apelação, eis que presentes os seus
requisitos, e recebo este último no
duplo efeito (art. 1.012 do CPC/2015).
Como relatado, a demanda trata do
conflito entre o elemento distintivo do nome empresarial da 1ª apelada
(CONFECÇÕES CAPRICHO LTDA.) e o registro 820.772.143 para a marca “CAPRICHO”,
de titularidade da apelante (ABRIL MARCAS LTDA.).
Em sua petição inicial, a ora 1ª apelada afirmou fazer uso de “CAPRICHO”
como marca e elemento distintivo de seu nome empresarial desde 1975 para
assinalar produtos descartáveis e de higiene pessoal. Com base nisso, requereu
a declaração parcial de nulidade do registro 820.772.143 para a marca “CAPRICHO”,
de titularidade da apelante, apenas no tocante à subclasse 50 da classe 25,
para assinalar roupas e acessórios descartáveis do vestuário em geral.
De outro lado, a apelante argumenta que, com base
na jurisprudência do STJ, para que o nome empresarial impeça o registro de uma
marca é necessário que goze de proteção em todo território nacional, o que não
ocorre no caso concreto, eis que a 1ª apelada não teria depositado pedidos de
arquivamento complementares relativos ao seu nome empresarial em todas as
Juntas Comerciais do Brasil.
A apelante possui razão.
Antes de apreciar a alegada colidência entre o
elemento distintivo do nome empresarial da 1ª apelada (CONFECÇÕES CAPRICHO
LTDA.) e a marca “CAPRICHO” da apelante (ABRIL MARCAS LTDA.) é necessário
identificar o âmbito de proteção conferido pelo art. 124, V, da LPI, hipótese
de irregistrabilidade invocada no caso concreto.
Isso porque a proteção jurídica dispensada ao nome
empresarial está limitada ao Estado em que é feito o registro, ao passo
que a proteção à marca possui eficácia nacional.
Nesse sentido, o artigo 1.166 do Código Civil
restringe a proteção ao nome empresarial aos limites do Estado em que forem
registrados os atos constitutivos da sociedade, nos seguintes termos:
Art. 1.166. A inscrição do
empresário, ou dos atos constitutivos das pessoas jurídicas, ou as respectivas
averbações, no registro próprio, asseguram o uso exclusivo do nome nos
limites do respectivo Estado. (grifos não constantes no original).
Parágrafo único. O uso previsto neste artigo
estender-se-á a todo o território nacional, se registrado na forma da lei especial.
O parágrafo único do mencionado
artigo permite a extensão da proteção ao nome empresarial a todo o território
nacional, desde que a mesma seja requerida na forma de lei especial. Assim, o
art. 61, §2°, do Decreto 1.800/96, dispõe que a “proteção ao nome empresarial poderá ser estendida a outras unidades
da federação, a requerimento da empresa
interessada, observada instrução normativa do Departamento Nacional de Registro
do Comércio – DNRC”.
O art. 11, §1°, da Instrução Normativa 116 do DNRC,
prevê a proteção do nome empresarial em outro Estado da Federação se houver a
abertura de filial em outra Junta Comercial ou arquivamento do pedido
específico (“A proteção ao nome
empresarial na jurisdição de outra Junta Comercial decorre, automaticamente, da abertura de filial nela
registrada ou do arquivamento de pedido específico, instruído com
certidão da Junta Comercial da unidade federativa onde se localiza a sede da
empresa interessada”).
Como se verá abaixo, esse
entendimento é chancelado pelo e. Superior Tribunal de Justiça, que entende que
a proteção ao nome empresarial em território nacional apenas é obtida
mediante o registro suplementar do nome empresarial nas juntas
comerciais dos demais Estados da Federação.
Por outro lado, o artigo 129 da LPI dispõe que o registro
de uma marca garante ao seu titular o uso exclusivo em todo o território
nacional.
Art. 129. A propriedade da marca
adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta
Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território
nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto
nos arts. 147 e 148.
§ 1º Toda pessoa que, de boa fé, na
data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses,
marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço
idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro.
§
2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o
negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da
marca, por alienação ou arrendamento. (grifos não constantes no original).
Uma das hipóteses de irregistrabilidade de um signo
como marca é justamente a reprodução de nome empresarial de terceiros, quando
houver possibilidade de confusão ou associação indevida, conforme artigo 124,
V, da LPI:
Art. 124. Não são registráveis como marca:
(...)
V - reprodução ou imitação de
elemento característico ou diferenciador de título de estabelecimento ou nome
de empresa de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação
com estes sinais distintivos; (grifos não constantes no original).
No julgamento do REsp 1.204.488/RS, o e. Superior
Tribunal de Justiça apreciou a colidência entre a marca “STREET CRIME GANG” e o
nome empresarial “Gang Comércio do Vestuário Ltda”. Na oportunidade, a
relatora, Min. Nancy Andrighi consignou que, para que o nome empresarial goze
de proteção em âmbito nacional, é necessário o seu registro em todas as juntas
comerciais do Brasil. Além disso, definiu os critérios cumulativos para
que a reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciador de
nome empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca, sendo
necessário: “(i) que a proteção ao nome empresarial não goze somente de tutela restrita
a alguns Estados, mas detenha a exclusividade sobre o uso do nome em todo o
território nacional e (ii) que a reprodução ou imitação seja suscetível de
causar confusão ou associação com estes sinais distintivos”.
Nesse
sentido, dispõe a ementa do mencionado julgado:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. MANDADO DE SEGURANÇA.
RECURSO
ESPECIAL. PEDIDO DE CANCELAMENTO DE DECISÃO
ADMINISTRATIVA
QUE ACOLHEU REGISTRO DE MARCA. REPRODUÇÃO DE PARTE
DO
NOME DE EMPRESA
REGISTRADO ANTERIORMENTE. LIMITAÇÃO
GEOGRÁFICA À PROTEÇÃO DO NOME
EMPRESARIAL. ART. 124, V, DA LEI 9.279/96. VIOLAÇÃO. OCORRÊNCIA. COTEJO
ANALÍTICO. NÃO REALIZADO.
SIMILITUDE FÁTICA. AUSÊNCIA.
1.
Apesar de as formas de proteção ao uso das marcas e do nome de empresa
serem diversas, a dupla finalidade que está por trás dessa tutela é a mesma:
proteger a marca ou o nome da empresa contra usurpação e evitar que o
consumidor seja confundido quanto à procedência do produto.
2.
A nova Lei de Propriedade Industrial, ao deixar de lado a linguagem
parcimoniosa do art. 65, V, da Lei 5.772/71 – corresponde na lei anterior ao
inciso V, do art. 124 da LPI –, marca acentuado avanço, concedendo à colisão
entre nome comercial e marca o mesmo tratamento conferido à verificação de
colidência entre marcas, em atenção ao princípio constitucional da liberdade
concorrencial, que impõe a lealdade nas relações de concorrência.
3.
A proteção de denominações ou de nomes civis encontra-se prevista como
tópico da legislação marcária (art. 65, V e XII, da Lei nº 5.772/71), pelo que
o exame de eventual colidência não pode ser dirimido exclusivamente com base no
critério da anterioridade, subordinando-se, ao revés, em atenção à
interpretação sistemática, aos preceitos legais condizentes à reprodução ou
imitação de marcas, é dizer, aos arts. 59 e 65, XVII, da Lei nº 5.772/71,
consagradores do princípio da especificidade. Precedentes.
4.
Disso decorre que, para a aferição de eventual colidência entre
denominação e marca, não se pode restringir-se à análise do critério da
anterioridade, mas deve também se levar em consideração os dois princípios
básicos do direito marcário nacional: (i) o princípio da territorialidade,
ligado ao âmbito geográfico de proteção; e (ii) o princípio da especificidade,
segundo o qual a proteção da marca, salvo quando declarada pelo INPI de “alto
renome” (ou “notória”, segundo o art.
da Lei 5.772/71), está diretamente vinculada ao tipo
de produto ou serviço, como corolário da necessidade de
se evitar erro, dúvida ou confusão entre os usuários.
5.
Atualmente a proteção ao nome
comercial se circunscreve à unidade federativa de jurisdição da Junta Comercial
em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a
todo território nacional se for feito pedido complementar de arquivamento nas
demais Juntas Comerciais. Precedentes.
6. A interpretação do art. 124, V, da LPI que melhor compatibiliza os
institutos da marca e do nome comercial é no sentido de que, para que a
reprodução ou imitação de elemento característico ou diferenciado de nome
empresarial de terceiros constitua óbice ao registro de marca – que possui
proteção nacional –, necessário, nessa ordem: (i) que a proteção ao nome
empresarial não goze somente de tutela restrita a alguns Estados, mas detenha a
exclusividade sobre o uso do nome em todo o território nacional e (ii) que a
reprodução ou imitação seja “suscetível de causar confusão ou associação com
estes sinais distintivos”. Não sendo essa, incontestavelmente, a hipótese dos
autos, possível a convivência entre o nome empresarial e a marca, cuja colidência
foi suscitada.
7.
O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo
analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas.
8.
Recurso especial provido, para restabelecer a sentença proferida pelo
juízo do primeiro grau de jurisdição, que denegou a segurança.
(STJ, REsp 1.204.488/RS. Relatora
Min. Nancy Andrighi. DJe 02.03.2011. Grifos adicionados).
E mais recentemente, no julgamento do REsp
1.184.867/SC, o Min. Luis Felipe Salomão manteve esse entendimento:
RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. NOME
COMERCIAL.
M A R C A S M I S T A S . P R I N C Í P I O S D A T E R R I T O R I A L I D A D E E
ESPECIFICIDADE⁄ESPECIALIDADE.
CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS - CUP.
(...)
3. A tutela ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que
registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o
território nacional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento
nas demais juntas comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao
sistema atributivo, sendo adquirida pelo registro validamente expedido pelo
Instituto Nacional da Propriedade Industrial
- INPI, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território
nacional, nos termos do art. 129, caput, e § 1º da Lei n. 9.279⁄1996. (REsp 1190341⁄RJ, Rel. Ministro
LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05⁄12⁄2013, DJe 28⁄02⁄2014 e REsp
899.839⁄RJ, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, julgado em 17⁄08⁄2010,
DJe 01⁄10⁄2010).
4.
O entendimento desta Corte é no
sentido de que eventual colidência entre nome empresarial e marca não é
resolvido tão somente sob a ótica do princípio da anterioridade do registro,
devendo ser levado em conta ainda os princípios da territorialidade, no que concerne
ao âmbito geográfico de proteção, bem como o da especificidade, quanto ao tipo
de produto e serviço. (REsp 1359666⁄RJ, Rel. Ministra
NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28⁄05⁄2013, DJe 10⁄06⁄2013).
5.
No caso concreto, equivoca-se o
Tribunal de origem ao afirmar que deve ser dada prioridade ao nome empresarial
em detrimento da marca, se o arquivamento na junta comercial ocorreu antes do
depósito desta no INPI. Para que a reprodução ou imitação de nome empresarial
de terceiro constitua óbice a registro de marca, à luz do princípio da
territorialidade, faz-se necessário que a proteção ao nome empresarial não goze
de tutela restrita a um Estado, mas detenha a exclusividade sobre o uso em todo
o território nacional. Porém, é incontroverso da moldura fática que o registro
dos atos constitutivos da autora foi feito apenas na Junta Comercial de
Blumenau⁄SC.
(...)
11. Recurso especial provido.
(STJ. REsp 1.184.867/SC. Relator
Min. Luis Felipe Salomão. Julgamento em 15.05.2014. Grifos adicionados).
Na hipótese vertente, o nome empresarial da 1ª
apelada (CONFECÇÕES CAPRICHO LTDA.) foi registrado em 22.04.1975 na Cidade de
Capivari, Estado de São Paulo (cf.
atos constitutivos disponíveis em fls. 16/18), não havendo nenhuma prova que
indique o depósito de pedidos complementares de arquivamento nas demais Juntas
Comerciais, de maneira que a proteção ao seu nome empresarial está restrita ao
Estado de depósito de seus atos constitutivos – São Paulo.
Dessa forma, aplicando ao caso vertente a
jurisprudência do STJ, verifica-se que o nome empresarial da 1ª apelada não
possui proteção em âmbito nacional, razão pela qual não reúne as condições
necessárias para impedir o registro da marca impugnada “CAPRICHO”, ainda que
idênticas.
Observo que o art. 8° da CUP[1] destina-se ao nacional de outro
país signatário da referida Convenção, não sendo aplicável no caso concreto.
Por fim, vale ressaltar que já
houve a decadência do suposto direito de precedência da 1ª apelada, na medida
em que não foi exercido na esfera administrativa do INPI. Nesse sentido é a
jurisprudência deste Tribunal:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. ANULAÇÃO DE REGISTRO DE
MARCA. COLIDÊNCIA . DIREITO DE
PRECEDÊNCIA . DECLARAÇÃO DE CADUCIDADE. ARTIGO 143 DA LPI.
I - O direito de precedência,
previsto no art. 129, § 1º, da LPI, somente pode ser exercido antes de haver um
registro, o que significa dizer que se trata de um direito a ser exercido no
âmbito do processo administrativo instaurado perante o INPI. Assim, com a
conclusão do procedimento administrativo e a concessão da marca, sem que tenha
havido qualquer oposição por parte do detentor do direito de precedência, não
cabe invocá-lo para anular judicialmente o registro de outrem, ante a
ocorrência de preclusão. (...) III - Apelação a que se nega provimento.
(TRF2, AC 200751018050870, AC –
APELAÇÃO CIVEL – 486039, E-DJF2R – DATA 22/12/2010 – PÁGINA 16, RELATOR
DESEMBARGADOR FEDERAL
ALUISIO GONCALVES DE CASTRO MENDES).
Dessa forma, não há qualquer vício no registro
820.772.143 para a marca “CAPRICHO”, de titularidade da apelante.
Pelo exposto, DOU
PROVIMENTO ao reexame necessário e à apelação para julgar improcedente o
pedido autoral.
Considerando que a sentença recorrida foi proferida em 04.05.2016, já
sob a vigência do CPC/2015, condeno a parte autora no pagamento de honorários
advocatícios, fixados em 15% (quinze por cento) sobre o valor atualizado da
causa, nos termos do art. 85, caput e
§2° e §3°, I, do CPC/2015. Esclareço que o referido percentual já inclui o
trabalho adicional realizado em grau recursal, conforme determina o §11° do
art. 85 do CPC/2015.
Deve o INPI restaurar a vigência do registro
impugnado e publicar o presente acórdão na RPI e em seu site.
É como
voto.
SIMONE SCHREIBER
DESEMBARGADORA FEDERAL
RELATORA
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