segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Propriedade Industrial - Violação de propriedade industrial gera dever de indenizar mesmo sem prova de prejuízo


A 3ª turma do STJ condenou uma empresa de calçados a reparar os danos patrimoniais à Grendene por violação do direito de propriedade industrial.
No recurso especial analisado, de relatoria da ministra Nancy Andrighi, a controvérsia era determinar se é necessária a delimitação da extensão do prejuízo econômico para que se possa reconhecer a existência de danos patrimoniais decorrentes da violação do direito de propriedade industrial. No caso, o TJ/RS exigiu a demonstração contábil da extensão do prejuízo financeiro.
A ministra Nancy ponderou, contudo, que a lei de propriedade industrial (9.279/96), em seus artigos que tratam especificamente da reparação de danos causados por violação aos direitos por ela garantidos, não exige, para fins indenizatórios, a comprovação dos prejuízos experimentados.
Ao contrário, de modo bastante amplo, permite ao titular do direito violado “intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do CPC”.
Assim, continuou a relatora, a configuração do dano na hipótese prescinde da delimitação contábil exigida pelo acórdão recorrido, consubstanciando-se na própria violação do interesse protegido pela lei da propriedade industrial, resultante da frustração - legítima expectativa da recorrente - da utilização exclusiva dos desenhos industriais da sua propriedade.
Uma vez reconhecido o dever da recorrente de reparar o dano patrimonial que causou, é de rigor o julgamento de procedência do pedido, devendo-se realizar a apuração do quantum na liquidação de sentença de acordo com os critérios especificados pela própria lei da propriedade industrial. A utilização ilícita de desenho industrial de terceiro para fabricação e posterior comercialização de bens é condição bastante para, por si só, gerar a presunção de que houve uma minoração das receitas auferidas pelo proprietário do desenho industrial.”
E, dessa forma, deu provimento ao recurso para condenar a recorrida a reparar os danos patrimoniais, que deverá ser provado em liquidação de sentença. A decisão foi unânime.
Fonte: Migalhas
Relatório e voto
RECURSO ESPECIAL Nº 1.631.314 - RS (2015/0086075-3) 
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI 
RECORRENTE : GRENDENE S A 
ADVOGADO : VALÉRIO VALTER DE OLIVEIRA RAMOS E OUTRO(S) - RS006758 
RECORRIDO : INDUSTRIA E COMERCIO DE CALCADOS DAIANA LTDA - EPP 
ADVOGADO : CARLOS IGNÁCIO SCHMITT SANT'ANNA E OUTRO(S) - RS028624 
Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RELATÓRIO 
Cuida-se de recurso especial interposto por GRENDENE S. A., com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional. 
Ação: de obrigação de não fazer e de reparação por danos patrimoniais, ajuizada pela recorrente em face de INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CALÇADOS DAIANA LTDA. - EPP devido à violação a direito de propriedade industrial. 
Sentença: julgou parcialmente procedentes os pedidos, para proibir a recorrida de fabricar e comercializar calçados com as mesmas características dos modelos criados e desenvolvidos pela recorrente. 
Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente. 
Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados. 
Recurso especial: alega violação dos arts. 333, I, e 535, I e II, do CPC/1973; e 208 a 210 da Lei n. 9.279/1996. Afirma que o acórdão foi omisso e obscuro: omisso porque não considerou a possibilidade de realização de perícia contábil na fase de liquidação, conforme havia sido decidido no julgamento de recurso anterior; obscuro porque os precedentes invocados na fundamentação não apontam no sentido de que os danos patrimoniais não podem ser presumidos na espécie. Alega que, nas hipóteses em que se constata a violação de direitos de propriedade industrial, o dano é presumido. Ao contrário do que consignou o Tribunal de origem, a presunção não se verifica apenas quando se trata de contrafação de marca. Assevera que o valor da indenização pode ser apurado em momento posterior, conforme critério estabelecido no art. 210, III, da Lei n. 9.279/1996. Ressalta que a exigência de demonstração contábil da extensão do prejuízo feita pelo acórdão recorrido fere o disposto no art. 333, I, do CPC/1973. 
Decisão de admissibilidade: o TJ/RS negou seguimento ao recurso especial. 
Agravo: interposto pela recorrente, foi determinada sua autuação como recurso especial. 
É o relatório. 
VOTO 
Cinge-se a controvérsia em determinar se é necessária a delimitação da extensão do prejuízo econômico para que se possa reconhecer a existência de danos patrimoniais decorrentes de violação a direito de propriedade industrial. 
1- DA VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC/1973 
Da análise do acórdão recorrido, verifica-se que a prestação jurisdicional dada corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado. O TJ/RS pronunciou-se de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais da controvérsia, dentro dos limites que lhe são impostos por lei. Prova disso é que integram o objeto do próprio recurso especial e serão oportunamente analisados. No aresto impugnado não há, portanto, omissão, contradição ou obscuridade, de modo que o art. 535 do CPC/1973 não foi violado. 
2- DA FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE (art. 333, I, do CPC/1973)
A análise acerca da necessidade ou não da comprovação da extensão do prejuízo para acolhimento da pretensão da recorrente é inviável sob a ótica do art. 333, I, do CPC/1973, pois o conteúdo normativo desse dispositivo é incapaz de amparar a discussão posta a desate, o que atrai o óbice da Súmula n. 284/STF. 
3- DA VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL E DA REPARAÇÃO POR DANOS PATRIMONIAIS (arts. 208, 209 e 210 da Lei n. 9.279/1996) 
Na linha da doutrina civilista contemporânea, considera-se dano como “a lesão a um interesse concretamente merecedor de tutela, seja ele patrimonial, extrapatrimonial, individual ou metaindividual” (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS et al. Curso de Direito Civil, vol. 3, 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 207, sem destaque no original). 
O dano configura-se, assim, no momento em que ocorre violação a direito protegido pelo ordenamento jurídico. 
Na espécie, a recorrente aponta violação a interesse que repercute em sua esfera patrimonial e que encontra tutela específica no microssistema da Lei de Propriedade Industrial (Lei n. 9.279/1996): direito de utilização exclusiva de desenhos industriais devidamente registrados perante o órgão competente. 
Como o dano decorre diretamente de violação a interesse juridicamente protegido, sua demonstração, no particular, confunde-se com a comprovação da existência do fato – contrafação de desenho industrial –, cuja ocorrência é premissa assentada pelos juízos de primeiro e segundo graus. 
O Tribunal de origem, ao exigir demonstração contábil da extensão do prejuízo financeiro, deslocou o que configura a consequência econômica da ofensa (seu resultado naturalístico) para o núcleo do conceito de dano,subvertendo, assim, a noção estritamente jurídica do instituto. 
A lição de CRISTIANO CHAVES DE FARIAS (et al.) acerca da questão é precisa: 
                              [...] enuclear o conceito de dano patrimonial em sua configuração naturalista e puramente material do prejuízo sofrido pelo ofendido – ao invés de centrá-lo na lesão a um interesse – culmina por deslocar a discussão para o campo das consequências econômicas da ofensa, da alteração negativa de uma situação financeira – ou seja, o bem em si mesmo, antes e depois da lesão –, ao invés de se ater simplesmente à situação da pessoa em relação ao bem jurídico e à possibilidade dele lhe servir para a satisfação de uma necessidade. Este é o interesse do ofendido a ser tutelado pelo ordenamento, uma noção jurídica e não eminentemente naturalística. (op. cit., p. 220) 
Sobreleva destacar que a Lei n. 9.279/1996 – que regula os direitos e as obrigações concernentes à propriedade industrial –, em seus artigos que tratam especificamente da reparação pelos danos causados por violação aos direitos por ela garantidos, não exige, para fins indenizatórios, comprovação dos prejuízos experimentados. Ao contrário, de modo bastante amplo, permite ao titular do direito violado “intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil” (art. 207). 
Daí que a configuração do dano, na hipótese, prescinde da delimitação contábil exigida pelo acórdão recorrido, consubstanciando-se na própria violação do interesse protegido pela LPI, resultante da frustração da legítima expectativa da recorrente de utilização exclusiva dos desenhos industriais de sua propriedade. 
Uma vez reconhecido o dever da recorrida de reparar o dano patrimonial que causou, é de rigor o julgamento de procedência do pedido, devendo ser realizada a apuração do quantum debeatur em liquidação de sentença, de acordo com os critérios elencados pelo art. 210 da Lei n. 9.279/1996. Nesse sentido, já decidiu a 4ª Turma deste Tribunal: REsp 1.207.952/AM, DJe01/02/2012.
Registre-se, por derradeiro, que a utilização ilícita de desenho industrial de terceiro para fabricação e posterior comercialização de bens é condição bastante para, por si só, gerar presunção de minoração das receitas auferidas pelo proprietário. 
De fato, consoante explicitado por DOMINGUES, “a infração [...] de registro perturba os negócios, desacredita os produtos, desvia clientela e diminui as vendas, provocando, via de consequência, diminuição da receita e do lucro do titular” (DOUGLAS GABRIEL DOMINGUES. Comentários à Lei da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 648). 
Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para condenar a recorrida a reparar os danos patrimoniais experimentados pela recorrente, cujo montante deve ser apurado em liquidação de sentença, por artigos. 
As despesas processuais e os honorários de sucumbência serão suportados integralmente pela recorrida, no valor fixado na sentença.

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