A Record foi condenada a indenizar em R$ 25 mil, por danos morais, um homem que foi acusado em reportagem de praticar o crime de estupro. Decisão é da 2ª turma Recursal do TJ/DF.
O autor foi preso e identificado como praticante do crime, devido à informação de que o praticante do crime seria portador de estrabismo. O autor do crime usava um capacete, o que impediu que o seu rosto fosse visto por completo, deixando apenas os olhos à mostra. Durante o processo criminal foi demonstrado, por prova pericial, que o autor não praticou o ato.
Entretanto, de acordo com os autos, desde o primeiro momento, a emissora expôs o autor em reportagem de televisão como estuprador, além de desdenhar de suas características físicas.
Relator do caso, o juiz Aiston Henrique de Sousa afirmou que, embora os danos decorram de vários equívocos da investigação criminal, a Record "concorreu com imprudência para os danos experimentados pelo autor, na medida em que ampliou as consequências do fato".
"A ré descumpriu com os deveres éticos da cidadania, dentre os quais o de portar-se de conformidade com a verdade. Ao contrário, focando-se em sua linha editorial sensacionalista, deixou de resguardar a cautela e o cuidado que um órgão de imprensa investigativa deve ter em relação à veracidade do que apura, no caso, a possibilidade de inocência do acusado. Seria o caso até mesmo de questionar a fragilidade do fato em que se baseava a investigação."
- Processo: 0703374-07.2016.8.07.0016
Fonte: Migalhas
Inteiro teor do Acórdão
EMENTA
DIREITO CONSTITUCIONAL. MATÉRIA JORNALÍSTICA. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. DIREITO DE
INFORMAÇÃO. EXTRAPOLAÇÃO. OFENSA À HONRA E À MORAL DO ACUSADO. DANO MORAL.
1 – Responsabilidade civil. Erro judiciário. Concorrência da imprensa. Reportagem que desvia-se do dever
ético de compromisso com a verdade dos fatos, da precisa apuração dos acontecimentos e de sua correta
divulgação. Prisão baseada em indícios frágeis. Erro judiciário posteriormente demonstrado.
2 – Dano Moral. Reportagem que expõe o autor indevidamente, amplia a repercussão do erro judiciário,
explorando indevidamente sua imagem e fazendo menções depreciativa às suas características físicas. Dano
moral caracterizado.
3 – Direito de retificação. Obrigação de fazer. Corolário do direito de resposta: "é assegurado o direito
de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem" (art. 5o., inciso
V, da Constituição Federal).
4 – Recursos conhecidos. Provido o recurso do autor. Não provido o recurso do réu. Custas processuais
e honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da condenação, pelo recorrente vencido.
ACÓRDÃO
Acordam os Senhores Juízes da SEGUNDA TURMA RECURSAL dos Juizados Especiais do Distrito Federal do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e dos Territórios, AISTON HENRIQUE DE SOUSA - Relator, JOAO LUIS FISCHER DIAS - 1º Vogal e ARNALDO CORREA SILVA
- 2º Vogal, sob a Presidência do Senhor Juiz ARNALDO CORREA SILVA, em proferir a seguinte decisão: CONHECIDOS. RECURSO DO
AUTOR PROVIDO. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. UNÂNIME., de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.
Brasília (DF), 31 de Agosto de 2016
Juiz AISTON HENRIQUE DE SOUSA
Relator
RELATÓRIO
Dispensado o relatório, na forma do art. 46 da Lei n. 9.099/1995.
VOTOS
O Senhor Juiz AISTON HENRIQUE DE SOUSA - Relator
Recurso próprio, regular e tempestivo, deles conheço.
No mérito, discute-se a responsabilidade da ré pelos danos experimentados pelo autor em razão
de reportagem em que este é acusado de ter praticado crime de estupro. A sentença negou o direito à indenização.
A ordem constitucional brasileira garante o direito de informação e de liberdade de expressão (art. 5o.,
incisos V e IX). Todavia, é garantida, de igual forma, a indenização por violação a direitos da personalidade (art.
5o., inciso V da Constituição).
No caso em exame, a ré, desviando-se da sua função regular, que é de informar os fatos, bem
como emitir opinião sobre eles, violou a honra subjetiva do autor, expondo-o de forma inadequada por acusação
que não era verdadeira.
O autor foi preso e identificado como praticante do crime de estupro, em face de singela notícia
levada à Delegacia de Polícia pela vítima com base em frágil indício, o fato de, assim como o verdadeiro praticante
do crime, ser portador de estrabismo. O autor do crime agiu sob a proteção de um capacete, o que impediu que
o seu rosto fosse visto por completo. Assim, apenas os olhos ficaram à mostra. Durante o processo criminal a que
respondeu o autor foi demonstrado, por prova pericial, que não praticou o ato.
Todavia, já no primeiro momento, a ré, sem a menor cautela, expôs o autor em reportagem de
televisão como estuprador, além de desdenhar de suas características físicas. É o que consta das provas juntadas
aos autos, especialmente a reportagem transmitida pela televisão (link do vídeo no documento de ID 587108, pág.
08).
É certo que, neste caso, os danos decorrem de vários equívocos da investigação criminal a cargo
do Estado, que começaram com a forma como o autor foi identificado durante o inquérito, sem os cuidados
adequados, com várias incoerências nos dados indiciários, dentre os quais a cor do veículo do criminoso, tendo
a investigação se baseado apenas no fato de o criminoso, assim como o autor, serem portadores de estrabismo.
Disso resultou erro judiciário em que o autor, além de exposto indevidamente, ainda permaneceu por seis meses
na prisão com grande repercussão em sua vida social, psicológica e familiar. Primeiro responsável pelos danos,
portanto, é o Estado.
Todavia, o órgão de imprensa concorreu com imprudência para os danos experimentados pelo
autor, na medida em que ampliou as consequências do fato. Portanto, agiu com imprudência. Agiu de forma
culposa.
É dever da ré cumprir o seu papel de conformidade com os princípios dos deveres éticos e sociais
da pessoa e da família, como determina a Constituição (art. 221, inciso IV da Constituição Federal). Ademais, é
dever dos profissionais de imprensa observar que o: "O compromisso fundamental do jornalista é com a verdade
dos fatos, e seu trabalho se pauta pela precisa apuração dos acontecimentos e sua correta divulgação" conforme
prevê o Código de Ética do Jornalista divulgado pela Associação Brasileira de Imprensa.
A ré descumpriu com os deveres éticos da cidadania, dentre os quais o de portar-se de
conformidade com a verdade. Ao contrário, focando-se em sua linha editorial sensacionalista, deixou de
resguardar a cautela e o cuidado que um órgão de imprensa investigativa deve ter em relação à veracidade do
que apura, no caso, a possibilidade de inocência do acusado. Seria o caso até mesmo de questionar a fragilidade
do fato em que se baseava a investigação.
Não pode o órgão de imprensa, de forma negligente, imprudente e descuidada, ampliar a
publicidade de acusações infundadas, como a do caso em exame, baseada em um mero e frágil indício, como o
defeito físico do acusado. É pueril encontrar razoabilidade em tal conclusão. Mesmo com o aparo de uma
autoridade policial desavisada, o fato praticado pela ré não se torna lícito.
A propósito, no caso em exame, o modo como a autoridade policial se apressa em tirar conclusões
sobre o caso cuja investigação está sob sua responsabilidade, a certeza com que publica suas conclusões sem
averiguar todos os elementos de prova, e a veemência com que os profissionais a serviço da ré, de forma
"heróica", esgarçam a vida pessoal, social e familiar do autor a custo de um "furo" de reportagem, revelam uma
praxe de cumplicidade em favor do sensacionalismo, com prejuízo ao autor.
Ademais, a ré, não só atribuiu certeza à autoria, como passou a explorar indevidamente sua
imagem, fazendo menções depreciativas às suas características físicas e o agredindo moralmente por fato que,
posteriormente, foi demonstrado não ser de sua autoria.
Por tudo isso, tenho que, independentemente do dano pelo qual se responsabiliza o Estado,
abrangendo a violação aos direitos da personalidade e os prejuízos que o processo e a prisão lhe causaram, a ré
responde pela repercussão negativa que a reportagem causou ao autor no âmbito da sua comunidade e das
pessoas que lhe são queridas.
Assim, reforma-se a sentença no ponto em que negou a indenização por danos morais, para
condenar a ré a indenizar o autor. Para a recompor tais danos, considero a gravidade do fato, a repercussão na
vida do autor, bem como a condição econômica de ambas as partes para fixar a indenização no valor de R$
25.000,00, que recompõe de forma adequada e justa os danos morais.
Quanto ao recurso da ré, que discute a sentença no que se refere à obrigação de fazer, o direito à
retificação do ofendido pela matéria inverídica é corolário do direito de informação, o qual deve ser reconhecido
em favor do autor, o que é previsto expressamente no art. 5o., inciso V da Constituição Federal: "é assegurado o
direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;"
Tal direito não decorre, pois, da Lei 13.188/2016, mesmo porque editada após os fatos vinculados à
inicial.
Assim, é correta a sentença no ponto em que determinou à ré a realização da retificação da
reportagem, na mesma proporção e pelo mesmo meio pelo qual foi feita inicialmente, sob pena das multas lá
estabelecidas, que, por óbvio, não excluem a eventual conversão da obrigação de fazer em perdas e danos caso
não ocorra o cumprimento, como previsto no art. 52 da Lei n. 9.099/1995.
De igual forma, deve ser mantida a obrigação de fazer referente à exclusão da reportagem dos
sites de internet. Pelos fundamentos acima, é de se negar o recurso do réu, que pede a improcedência do pedido.
ISTO POSTO, dou provimento ao recurso do autor e nego provimento ao recurso do réu.
Sem custas processuais e sem honorários advocatícios.
O Senhor Juiz JOAO LUIS FISCHER DIAS - 1º Vogal Com o
relator
O Senhor Juiz ARNALDO CORREA SILVA - 2º Vogal Com o
relator
DECISÃO
CONHECIDOS. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DO RÉU IMPROVIDO. UNÂNIME
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