A proteção ao direito autoral de um hino não recai sobre palavras ou títulos isolados, mas sobre a obra integral ou parte substancial dela, desde que se reconheça como sendo expressão de seu autor, conforme dispõe o artigo 7º, inciso V, da Lei dos Direitos Autorais (9.610/98).
Com esse entendimento, a 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve, na íntegra, sentença que negou pedido de indenização movido contra a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev). A empresa usou em rótulos de cerveja a expressão ‘‘Imortal Tricolor’’, frase que consta no hino do Grêmio, de autoria do compositor Lupicínio Rodrigues, escrito em 1953.
O filho de Lupicínio e o Espaço Cultural que leva o nome do compositor gaúcho, sediado em Porto Alegre, alegam que detêm os direitos autorais sobre o hino do Grêmio e sobre a expressão ‘‘Imortal Tricolor’’, nele contida. Assim, como não foram consultados nem deram autorização para uso comercial da expressão, ingressaram com ação de danos morais e materiais contra a Ambev.
Na contestação apresentada à 14ª Vara Cível do Foro Central de Porto Alegre, a empresa disse que assinou contrato de publicidade com o Grêmio — que detém o registro da expressão no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual —, no intuito de fomentar o esporte por meio de sua atividade comercial. A Ambev também argumentou que, isoladamente, a expressão ‘‘Imortal Tricolor’’ não remete ao hino, mas ao clube em si, fundado em 1903, pois a denominação ‘‘tricolor’’, para identificar o clube, já era conhecida no hino anterior, de autoria de Breno Blauth, e a designação ‘‘imortal’’ surgiu na época da morte do goleiro Eurico Lara, que jogou sua última partida debilitado, vindo a morrer meses depois, em 1935.
Admitido como assistente litisconsorcial, o Grêmio criticou os demandantes por escamotear a discussão sobre quem detém os direitos de uso econômico de marca do clube. Afinal, é depositário de registro no Inpi também em relação à classe do produto comercializado pela ré. Logo, não se tratando de direito autoral, mas uso de marca de que é titular, há carência de ação — ausência de possibilidade jurídica do pedido vertido na inicial indenizatória.
Sentença improcedente
No primeiro grau, a juíza Maria Lucia Boutros Buchain Zoch Rodrigues observou, contrariando os autores, que a expressão não é a obra nem a sintetiza. Para a juíza, o hino são as suas estrofes, isoladas ou em conjunto. E ‘‘Imortal Tricolor’’ tornou-se um modo de se referir ao Grêmio. ‘‘Tornou-se o seu apelido, e esse apelido não caracteriza uma reprodução do Hino ou parte dele. O IMORTAL TRICOLOR é o Grêmio, não o Hino’’, explicou na sentença.
Além disso, discorreu, o apelido ‘‘tricolor’’ vem de suas cores — branco, preto e azul — e já existia há muito tempo. A juíza também não vislumbrou novidade ou originalidade na junção da palavra ‘‘imortal’’ com qualquer outra, passível de se atribuir a Lupicínio Rodrigues a sua autoria.
‘‘Não tenho receio em afirmar que a criação de Lupicínio foi a Marcha do Cinquentenário — cujo sucesso a transformou em Hino. Por isso, só se pode reconhecer como Hino o que remete a ele de forma clara — como as suas estrofes —, em especial a primeira. Prova disso é que qualquer gaúcho, sem qualquer esforço de raciocínio, sabe identificar de onde elas provêm’’, definiu na sentença.
A relatora do recurso de Apelação na corte, desembargadora Isabel Dias de Almeida, também registrou que o clube tem na sua identificação a palavra ‘‘tricolor’’ e que os dados históricos a ligam à palavra ‘‘imortal’’, numa referência ao goleiro Eurico Lara. E tudo antes da criação do hino por Lupicínio Rodrigues. ‘‘Daí que a referência no hino a ‘Imortal Tricolor’ nada tem de original, pois seria homenagem ao seu grande craque e ídolo’’, afirmou a relatora, mantendo a sentença. O acórdão foi lavrado na sessão de 31 de agosto.
Por: Jomar Martins
Fonte: Revista Consultor Jurídico, 31 de outubro de 2016
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