terça-feira, 6 de junho de 2017

Direito do Entretenimento - Cancelamento de evento por falta de segurança gera dever de indenizar


A juíza do Juizado Especial Cível de Águas Claras condenou a GR6 Eventos e o produtor Nilton Gonçalves Padilha Júnior a pagarem, de forma solidária, indenização para três participantes do “Baile do Podereso”, ocorrido em novembro de 2016, no Estádio Nacional Mané Garrincha. A condenação foi motivada pelo cancelamento do baile em virtude de briga generalizada no local, inclusive com disparos de arma de fogo.
Os autores alegaram que compraram os ingressos para o evento e que pouco tempo após seu início, antes mesmo que qualquer atração musical pudesse se apresentar, o baile foi cancelado. Afirmaram que houve tumulto, briga, tiros e muita correria, o que levou ao cancelamento  dos shows. Pediu indenização pelos danos morais sofridos, bem como a restituição do valor do ingresso.
Apesar de os réus afirmarem que não tiveram responsabilidade pela briga generalizada, a juíza de 1ª Instância entendeu que houve falha na prestação do serviço prestado. “No caso, o dano indenizável representa não apenas o fato de o show musical não ter ocorrido, mas sobretudo a exposição dos autores à situação de risco pela falta de segurança que se esperava em um evento daquela jaez”.
Ainda segundo a magistrada, “sabe-se que a atividade do fornecedor deve corresponder à legítima expectativa do consumidor. O que se esperava da regular prestação dos serviços dos réus era que possibilitassem a realização do evento musical com a segurança necessária ao referido tipo de evento, o que efetivamente não ocorreu, porquanto evidenciada a falha no serviço prestado”.
Cabe recurso da sentença de 1ª Instância.  
 Número do processo: 0700020-25.2017.8.07.0020

Classe judicial: PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL CÍVEL (436)

AUTOR: AMANDA COSTA LIMA, MARCOS VINICIUS CARDOSO DE OLIVEIRA

RÉU: GR6 EVENTOS - PRODUTORA, GRAVADORA E EDITORA LTDA - EPP, NILTON GONCALVES PADILHA JUNIOR 69902623115                                                                                                  


                                                                                                











SENTENÇA






Vistos, etc.


Cuida-se de ação de indenização por danos materiais e morais ocorridos no evento musical conhecido por “Baile do Poderoso”, ocorrido em 18 de novembro de 2016, no estacionamento do Estádio Nacional Mané Garrincha. Alegam os autores que poucas horas após o início do evento, antes mesmo que qualquer atração pudesse iniciar as apresentações musicais, o concerto teve que ser cancelado por falta de segurança, tendo havido, inclusive, disparos de arma de fogo.
Requerem, assim, a condenação dos réus a restituírem R$60,00 (sessenta reais), para cada autor, relativo ao valor dos ingressos, bem assim a indenizá-los por danos morais, no importe de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) para cada.
Em sua defesa, o segundo réu alega que o evento somente foi interrompido em virtude de briga generalizada, o que refoge ao controle do organizador.
É o breve relatório (art. 38 da Lei 9.099/95).
Procedo ao imediato julgamento da lide, em atenção aos princípios norteadores dos Juizados Especiais de eficiência e celeridade, conforme norma do art. 2º da Lei n. 9.099/95, a par de inútil a produção de prova oral ao deslinde da matéria.
Não havendo questões preliminares pendentes e estando presentes os pressupostos processuais e condições da ação, passo ao exame do mérito.
Registro, de início, que embora a primeira ré não tenha oferecido contestação, o que autoriza o decreto de revelia, não é de se lhe aplicar os efeitos materiais da contumácia, haja vista que apresentada defesa pelo segundo réu, cujos fundamentos a todos aproveitam (NCPC, art. 345, inciso I).
Restou incontroverso nos autos a relação contratual entre as partes, bem assim o fato de o evento musical organizado pelos réus ter sido interrompido, antes da atração principal, em virtude de briga generalizada no local, inclusive com disparos de arma de fogo.
A relação existente entre as partes está subsumida às disposições do Código de Defesa do Consumidor, haja vista que parte autora e ré enquadram-se no conceito de consumidor e fornecedor, respectivamente (art. 2º e 3º).
Os requeridos, ao exercerem a função de prestadores de serviços, estão, nesse seguimento, induvidosamente, inseridos na política nacional de relação de consumo, que tem por objetivo, segundo o próprio Código de Defesa do Consumidor, art. 4º, o “atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos”.
Em casos tais, importante relembrar que a responsabilidade mede-se sob o prisma objetivo, incumbindo aos réus, para que dela possam se eximir, demonstrar que não prestaram serviços defeituosos ou que a culpa pelos danos deve ser atribuída exclusivamente a terceiros (CDC, art. 14, § 3º).
Nesta toda, bem esclarece Cláudia Lima Marques:

“A responsabilidade imposta pelo art. 14 do CDC é objetiva, independente de culpa e com base no defeito, dano e nexo causal entre o dano ao consumidor-vítima (art. 17) e o defeito do serviço prestado no mercado brasileiro. Com o CDC, a obrigação conjunta de qualidade-segurança, na terminologia de Antônio Herman Benjamin, isto é, de que não haja um defeito na prestação do serviço e conseqüente acidente de consumo danoso à segurança do consumidor-destinatário final do serviço, é verdadeiro dever imperativo de qualidade (arts. 24 e 25 do CDC), que expande para alcançar todos os que estão na cadeia de fornecimento, ex vi art. 14 do CDC, impondo a solidariedade de todos os fornecedores da cadeia, inclusive aqueles que a organizam, os servidores diretos e os indiretos. (parágrafo único do art. 7º do CDC).” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 2ª ed., RT, p. 288).

No caso, cinge-se o mérito à possibilidade de responsabilização dos réus pelos alegados danos morais e materiais sofridos pelos autores em razão dos infortúnios ocorridos durante o evento musical promovidos pelos réus.
Sabe-se que a atividade do fornecedor deve corresponder à legítima expectativa do consumidor. O que se esperava da regular prestação dos serviços dos réus era que estes possibilitassem a realização do evento musical com a segurança necessária ao referido tipo de evento, o que efetivamente não ocorreu, porquanto evidenciada a falha no serviço prestado.
Lado outro, não procede a alegação do réu de que houve efetiva atuação de seguranças no evento e de que haveria excludente de responsabilidade por culpa de terceiros, caracterizada pela briga generalizada ocorrida.
Isso porque o fornecedor não pode se furtar aos riscos e tormentos da sua atividade econômica, muito menos transferi-los para o consumidor. A objetividade da sua responsabilidade foi talhada na legislação de consumo justamente para blindar a posição jurídica do consumidor, ao qual não podem ser imputados problemas e imperfeições surgidos na prestação de serviços que constitui a atividade empresarial do fornecedor.
Reitere-se que, pela teoria do risco do negócio, explicitamente albergada no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, os fornecedores respondem objetivamente pelas vicissitudes empresariais que envolvem a prestação de serviços inerentes à atividade lucrativa que desempenham. Na síntese de Rizzato Nunes:

“A característica fundamental da produção na sociedade capitalista a partir do sistema jurídico constitucional brasileiro é o risco da atividade. Quem corre risco ao produzir produtos e serviços é o fornecedor, jamais o consumidor.” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor, 3ª ed., Saraiva, p. 64).

Em eventos tais como o retratado nos autos, a experiência comum revela a importância da presença de profissionais responsáveis pela segurança, a fim de evitar ou conter discussões, agressões, dentre outras intercorrências, provenientes do consumo excessivo de álcool, desentendimentos anteriores, dentre outras inúmeras possibilidades de risco.
Há de se observar, outrossim, que, conforme encartes jornalísticos acostados pelos autores, que foram corroborados por ocorrência policial, um dos seguranças contratados para o evento portava ilegalmente arma de fogo, fato que, igualmente, atrai a responsabilidade dos réus por eventuais danos, dado que ali atuava como seu preposto.
No que diz respeito ao direito indenizatório, as provas coligidas aos autos demonstram que os autores efetivamente verteram a quantia de R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) cada (ID 4985670 Pág. 1) para os ingressos do evento, devendo ser ressarcidos de tais valores, já que o evento não se realizou.
Em relação aos danos morais, os fatos narrados se apresentam suficientes para demonstrar que causaram angústia aos autores, que não se confundem com um mero dissabor.
Como cediço, o dano moral decorre de uma violação de direitos da personalidade, atingindo, em última análise, o sentimento de dignidade da vítima. Pode ser definido como a privação ou lesão de direito da personalidade, independentemente de repercussão patrimonial direta, desconsiderando-se o mero mal-estar, dissabor ou vicissitude do cotidiano, sendo que a sanção consiste na imposição de uma indenização, cujo valor é fixado judicialmente, com a finalidade de compensar a vítima, punir o infrator e prevenir fatos semelhantes que provocam insegurança jurídica.
No caso, o dano indenizável representa não apenas o fato de o show musical não ter ocorrido, mas sobretudo a exposição dos autores à situação de risco pela falta de segurança que se esperava em um evento daquela jaez.
No tocante ao montante pecuniário devido pela parte ofensora à vítima, deve este ser fixado de modo a atingir as finalidades da reparação, quais sejam: compensação pelo constrangimento, aborrecimento e humilhação vivenciados; punição pela conduta do agente; prevenção futura relativa a fatos semelhantes (função punitivo-pedagógica).
Deverá observar também o grau de culpa do agente (gravidade da conduta), o potencial econômico e características pessoais das partes, a repercussão do fato no meio social e a natureza do direito violado, obedecidos os critérios da eqüidade, proporcionalidade e razoabilidade.
Assim, atenta às peculiaridades do caso concreto, fixo o valor de R$ 1.000,00 (mil reais), para cada autor, a título de indenização por danos morais.
Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos para condenar os réus a, solidariamente:

a) restituírem o valor R$ 55,00 (cinquenta e cinco reais) a cada um dos autores, a título de danos materiais, devidamente atualizado desde o desembolso e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde a citação;
b) pagarem o valor R$ 1.000,00 (mil reais), por danos morais, a cada um dos autores, devidamente atualizado monetariamente desde a presente decisão e acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês desde o evento danoso.

Resolvo o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do CPC.
Sem custas e honorários advocatícios (art. 55 da Lei n. 9.099/95).
Transitada em julgado e não havendo outros requerimentos, arquivem-se.
Sentença registrada nesta data. Publique-se. Intimem-se.





Águas Claras/DF, 24 de abril de 2017.

Raquel Mundim Moraes Oliveira Barbosa
Juíza de Direito Substituta

Processo: 0704945-98.2016.8.07.0020
Decisão

Fonte:TJDFT

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